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CARTA DO LEITOR

19/01/2010

Carta aberta ao Walter Miranda

Meu bom e caro Walter Miranda,

Fui surpreendido com um elogio seu, referindo-se aos meus textos, a meus saudosos avôs Jazon Nicolau de Almeida (Jesus Carroceiro) e Jorge de Carvalho Muçouçah e, em especial, à “pérola negra penapolense” (como você a costuma denominar), Dirce Pereira da Silva. Não tenho palavras para agradecer, à altura, a sua generosidade. Meus avôs, cada um à sua maneira e metodologia, ensinaram-me lições de vida e humanidade de que jamais esquecerei. Seus nomes de família, Almeida e Muçouçah, estão gravados em meu próprio nome, e suas almas em meu coração. Quanto à Dirce, tudo é diferente. Há coisas que, infelizmente, não posso revelar publicamente, pois comprometeria tanto minha vida particular quanto a dela. Existem histórias muito bonitas e algumas verdadeiramente horrendas vividas por ela, que pretendo um dia, talvez, relatar após a morte de todos os envolvidos, porque se eu citasse determinados nomes ainda vivos e atuantes, certamente a sociedade penapolense poderia ter nojo deles e de seus familares. Nojo seria, sim, a palavra adequada, e nós (eu e muito menos a Dirce) não queremos humilhar ninguém. Até quando minha inocência permitiu, eu achava o racismo uma besteira. Algo que simplesmente não existia – e já cheguei a sustentar isto publicamente. Ora, eu fui desde cedo criado ao lado de pessoas como a Dirce e, mais ainda, os pais dela, que eram pessoas cuja alma, pureza e bondade lembravam, sem exageros, a figura de Jesus Cristo. Na minha mente não havia explicação lógica para o racismo – e agora talvez eu até despreze algumas pessoas, embora não seja minha intenção – porque se as melhores pessoas que eu conheci em termos de caráter, dignidade, bondade, etc., eram negras, como era possível existir o racismo? O que fui entender muito tempo depois, apenas, é que eu não era racista, mas muitos eram. E a partir daí comecei a notar defeitos em mim mesmo (como ser homofóbico, confesso), e elegi a bandeira contra qualquer tipo de preconceito como o lema que carregaria por toda a minha vida acadêmica, jurídica e pessoal. Não há nada, nada mais nojento que o preconceito. Por razões óbvias eu não quero entrar em detalhes, mas ainda sobre a Dirce, posso assegurar: sei de histórias que poderiam enojar qualquer cidadão decente. A ela foi tolhido o maior de todos os direitos, que é o direito de amar. Quis a sorte que os homens que se encantaram por ela na mocidade, ou pelos quais ela se encantou, fossem brancos. As famílias deles jamais permitiram o relacionamento, na já distante década de 1.950, em que isso era comum (a família decidir o futuro dos nubentes). Nem mesmo crendo em Deus eu consigo acreditar como a Dirce pôde, com toda a sinceridade de seu coração, perdoar aquelas pessoas, sobretudo por algumas palavras ditas. Caminho pelas ruas e vejo algumas destas pessoas, ainda vivas, e hoje não sinto mais nojo – sinto ora desprezo, ora pena , por serem pessoas tão medíocres e inferiores a ponto de humilhar uma inocente moça de vinte e poucos anos simplesmente por sua etnia.  Hoje, quando vejo pessoas como a Dirce sendo elogiadas pelo Governador do Estado em pessoa (que afirmou, textualmente: “foi uma honra para o Estado de São Paulo contar com a professora Dirce, que é exemplo para todas as gerações mais novas”), você – que possui invejáveis inteligência, títulos e destaque profissional, e outras pessoas, como Nelson Mandela, Barack Obama, meu prazer é indizível. É a tapa na cara que sempre desejei dar, com minhas próprias mãos, em todas as pessoas racistas. Mas é uma tapa que dói muito mais, porque constrange, humilha e revela como é degradante ser racista. Foi com muita surpresa que li, na coluna do Arci, que alguém andou criticando sua participação no Diário de Penápolis. Passam-se os anos e Penápolis continua a mesma, pelo que vejo. No ano de 2.002, quando critiquei abertamente o Prefeito Firmino Ribeiro Sampaio, fui atacado por todos os lados – e eu tinha apenas 21 anos de idade. Falou-se até mesmo em processo contra mim. A resposta veio em 2.004, quando um prefeito do PT foi eleito para sucedê-lo. Quem será que estava com a razão? Já fiz parte do PT, e comungo com muitas de suas teses ainda, mas nada e nem ninguém – nem mesmo o enorme apreço que tenho na figura do João Luís, meu ex-professor e atual Prefeito – impedir-me-iam de criticar sua administração, ou de elogiá-la, como cheguei a fazê-lo algumas vezes nas duas vertentes. Assim como você, Walter, não tenho compromisso nenhum com partidos políticos, interesses, pessoas ou quem quer que seja. Tenho compromisso com minhas convicções apenas. Não cheguei aos 28 anos de idade, ingressando no Doutorado em Direito da mais renomada Faculdade deste País, para ser um acomodado.  Por isto, digo a você, Walter Miranda, e também ao Arci: quanto mais críticas houver, que maior seja a provocação. Triste mesmo é ver o comodismo, a apatia, o conformismo de muitos, seja em qual situação for, seja lá quem for o Prefeito, o Governador ou o Presidente da República. Todo cidadão deveria ser um pouco mais consciente de suas funções, e apontar os erros do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Aliás, isto me recorda uma situação: fingi, certa vez, que não era advogado e procurei por um Promotor de Justiça, em Penápolis, para relatar determinada situação e exigir providências. Ele sequer quis receber-me, dizendo que estava “muito ocupado”. Insisti até que ele me recebesse. Relatei-lhe o problema e ele, sem olhar em meu rosto, disse para  que “redigisse algo fundamentado” (e supostamente eu era um leigo) para que tomasse providências. Ora, e se eu fosse um analfabeto? E se eu não tivesse como expor, por escrito, o problema relatado, por mal saber redigir? Tudo isto denota como a sociedade é vítima dos Poderes estabelecidos, e é por esta razão que os Poderes devem, sim, ser criticados exaustivamente. Eles nos devem satisfação acerca de tudo que questionarmos, pois somos nós que pagamos os seus salários e, mais que isto, por obrigação legal de todos eles. Tudo isto contribui, e muito, para o aperfeiçoamento do sistema democrático. Neste sentido, a imprensa tem um papel fundamental, e é por meio dela que devemos tornar públicas as nossas insatisfações, por mais tolas que possam parecer. No mínimo, teremos como resposta uma explicação, uma mudança de rumos, enfim: algo que passará a modificar a postura dos agentes públicos e os tornará mais atentos. Não se abata, Walter, com estas críticas. Responda a elas com o mesmo brilho com que respondeu ao racismo durante toda a sua vida. E faço minhas as palavras do Arci: antes existissem muitos outros como você aí em Penápolis, sem medo e sem compromisso com nada além de suas convicções. Deus o abençoe, sempre, e lhe dê coragem para o combate.

(*) Renato de Almeida Muçouçah, 28, advogado, professor universitário, Mestre e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP)

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