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CARTA DO LEITOR

29/12/2021

Outro trabalho da “antologia” de escritores organizado por Reis de Souza em 1987, na cidade de Brasília, escrito e assinado por mim Vó Maria, que neste momento compartilho com o Diário de Penápolis

A noite dos Chacais...

... O homem, esse pequenino Deus do mundo terrestre, nunca esteve só!
Já arrancou das planícies de pó o seu sustento. E nesse vento de imensos trigais e grandes hortos, cavou mananciais – feliz, absolto, mas nunca esteve só.
Barrou torrentes, cercou erosões, impediu que ventos violentos levassem suas terras aráveis, recuperáveis, de estepes dormentes, mas nunca esteve só. Embora esse pequenino Deus, agora absolto também tenha, para sua sobrevivência, precipitado a vital decadência de grandes regiões ricamente cultiváveis – este homem nunca esteve só!
Nem mesmo adentrando longínquas e inóspitas regiões, esteve só. A exemplo: o infernal Mojave, o cadente Gila, esse mesmo homem ainda não conseguiu dar o seu nó. 
No insuportável vale da morte, seu desafio mais forte de emanações sufocantes e de toda sorte de vapores angustiantes, que minados inundam seus flancos abruptos – esteve só! Lá estão espionando-o, aconchegados nos abrigos dessas rochas empinadas, hostis, viventes de bem, alegres e febris. Cada qual com seu par de olhinhos luminosos, brilhantes, que mais parecem luzes esparsas, borbulhantes de altos edifícios escuros, encarcomidos de antigas cidades tristonhas ou de casarios tombados envelhecidos. Ricamente emplumados, um pouco pardo, cinza, amarelinhos, estes pequeninos pássaros, cantores inocentes, ou melhor, ruidores inclementes da noite vazia, amedrontam qualquer ser. Isso, pela sua potência sonora, seus gemidos, seus gritos, seu louco crocitar, seu piar, que se fazem ouvir a longas distâncias, pelas gargantas do vale. Por isso são chamadas de “chacais alados”. Sobrenaturais? Carismáticos? Mitológicos? Mensageiros de Anúbis, o Deus da morte? Com corpo de homem e cabeça de chacal? Não!!! São apenas pequeninos gigantes, enervantes, os emissários daquela sonoridade, que impressiona dentro da solidão arredia.
Eles clamam o amor, chamam o dia. E nesse movimento de vida, na noite sempre contida, assumem-se aos bandos, pela posse da parceira amada, logo mais ao amanhecer, pelo fim da madrugada.
Esse homem que nunca esteve só, mas que jamais o compreendeu e que saberá que não conseguirá dar o seu nó: arrefeceu-se, sentiu-se pequeno, encheu-se de veneno, esquecendo-se que é um pequenino “deus” e se deixou apavorar por visões alucinantes e pelo alarido tão infernal quanto o vale original!
Seu corpo dói, sua mente espira, enche-se  do mal do mais desprezível animal.
Queda na noite fria!
Seu corpo dói! Como dói! Sente sua agonia! Agora com feroz rebeldia por ver-se do próprio chacal, obstina-se! Delira-se! E vê entre seus dedos uma mecha ruiva!... Aperta-a contra o peito e se destrói!... Esse homem que sempre se sentiu só!...

Vó Maria Cândida Virgílio Galli, Penápolis/SP, por e-mail

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