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19/01/2025
Não existe direito adquirido ao aborto "egal" - parte 2 de 2*
Caso recente é o da Prefeitura de São Paulo que optou por fechar serviços de aborto “legal” e é denunciada diariamente pela mídia de que está restringindo direitos. Não há esse direito previsto em nenhuma lei ou na Constituição Federal. A nosso ver, é absolutamente lícito que o gestor se negue a disponibilizar serviços para realização de abortos, salvo, obviamente, os de risco de morte materna. Mesmo o direito do médico não realizar o aborto baseado na objeção de consciência já vem sendo questionado, inclusive por meio de projetos de lei propostospelo PSOL. Nosso entendimento legal evitaria esse absurdo que é o de matar bebês de oito e nove meses por meio da assistolia fetal. Temos certeza que em caso de sedimentação desta inteligência, os gestores deixariam de medo da prisão, praticamente não haveria serviços realizando essa barbárie.
A situação de fetos anencefálicos também merece uma discussão mais aprofundada. Embora o STF tenha decidido que o aborto pode ser realizado nesses casos com a ADPF 54, legislando em lugar do Congresso para acrescentar uma terceira hipóteses de aborto não punível, o eugênico, é importante esclarecer que a decisão foi no sentido de não entender o bebê anencefálico como ser vivo, já que o conceito de vida é baseado na atividade cerebral. Não tendo cérebro, não há vida. Portanto, não haveria que se falar em aborto. Embora discordemos, isso é irrelevante já que a última palavra é a do Supremo. Essa questão, todavia, é importante porque o Judiciário utiliza a ADPF 54 para legitimar toda sorte de abortos baseados numa suposta incompatibilidade com a vida pós o nascimento, inclusive, englobando situações totalmente compatíveis com a vida extrauterina. O mais estranho, porém, é que a decisão do STF na ADPF 54 foi de avaliação do bebê na gravidez e não após o nascimento. Se não há cérebro não há vida. O Judiciário então passou, muitas vezes, a decidir que em casos supostamente sem possibilidade de vida após o nascimento poder-se-ia fazer o aborto. Não conseguimos ver qualquer relação entre essas decisões e a ADPF 54. Seria como se autorizasse matar pessoas em situações não previstas.
Situações já autorizadas para realização de aborto baseadas na ADPF 54 incluem: síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13 que leva a uma malformação com comprometimento do sistema nervoso central, face, órgãos e membros), síndrome de Edwards (trissomia do 18 com retardo no crescimento fetal, associado à sobreposição dos dedos das mãos e anormalidades cardíacas e craniofaciais), síndrome de body stalk (malformação fetal grave decorrente da falha da formação das dobras cefálica, caudal e laterais do corpo embrionário), acrania fetal (ausência do crânio), gastrosquise (má-formação congênita caracterizada por defeito na formação da parede abdominal, ocasionando exposição de estruturas intra-abdominais, em especial o intestino fetal) e muitas outras. Além de situações que foram tidas como risco de morte materna baseadas até em questões psicológicas e psiquiátricas. Nada disso tem qualquer amparo legal.
Esta invasão de competência do Legislativo provoca decisões que produzem mortes de bebês.
Além do mais, muitas dessas situações tidas como incompatíveis com a vida fora do útero não são reais. A própria definição de incompatível com a vida significa que mais de 90% morrem no período de um ano após o nascimento. Mas 90% está muito longe de ser a totalidade quando se trata de vida. Há caso documentado de sobrevivência com síndrome de Patau com dez anos de sobrevida e na de Edwards, chegando inclusive à adolescência. Sim, são casos raros, a maioria morre nos primeiros dias de vida, todavia, esses casos, mesmo que raros, inutilizam a premissa de serem doenças incompatíveis com a vida. A gastrosquise caso se consig a êxito na cirurgia para correção pode ter sobrevida normal.
Por todos esses dados apresentados, concluímos que não existe um direito ao aborto, nos casos de estupros, de bebês acima de 22 semanas. Embora o médico que o fizer enquanto a Resolução do CFM estiver suspensa pelo STF não possa ser punido. Não existe, também, obrigatoriedade que o gestor disponibilize esse método para quem o solicite. Esse tema deve ser melhor estudado por juristas e médicos para se chegar a um entendimento após amplo debate.
(*) Primeira parte deste artigo foi publicada na sexta-feira (17/01/2025)
(*) Ives Gandra da Silva Martins - Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e RS, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCI O - SP; ex-Presidente da Academia Paulista de Letras-APL e do Instituto dos Advogados de São Paulo-IASP
(*) Raphael Camara Medeiros Parente - Conselheiro Federal de Medicina pelo Rio de Janeiro e relator da resolução do CFM que proíbe assistolia fetal e ex-secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde de 2020-22
Ives Gandra e Raphael Camara (*)
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